Relembrando 2001, não podemos deixar passar que no último ano Michael desfilou com dois amigos curiosos: Uri Geller, de quem foi padrinho de casamento, e o rabino Shmuley Boteach. Há quantas andam estas amizades hoje, não sabemos. O fato é que, com o rabino, Michael chegou a fundar a Heal the Kids, uma fundação com o propósito de aproximar pais e filhos, sobre a qual simplesmente não se tem ouvido mais falar, depois de muito alarde.
Na modesta opinião desta coluna, que bem pode estar cometendo o pecado da maledicência, tudo que Boteach parecia querer era poder dizer: “Sou eu este aí na foto, ao lado de Michael Jackson”. Talvez Michael tenha se dado conta disso a tempo. De qualquer forma, este tipo de conversa de comadres não nos interessa aqui. De significativo em tudo que envolveu o projeto Heal the Kids, foi a palestra ministrada por Michael em Oxford.
Mas quantas pessoas, fora os fiéis fãs, se lembram que Michael Jackson esteve em Londres, não para cantar, não para receber algum prêmio, não para acompanhar Liz Taylor em alguma homenagem, mas para uma conferência em uma das principais universidades do mundo? Com dois ossos quebrados no pé, Michael chegou a aparecer em cadeira de rodas, mas, na maior parte do tempo, preferiu as muletas, as quais usou de um modo um tanto quanto desajeitado, diga-se de passagem.
A aparência, de um modo geral, era a de um homem cansado e fragilizado, se esforçando para cumprir o compromisso que havia assumido e ainda ser polido com os fãs. Com dificuldades, a palestra foi ministrada em pé. Michael fez questão. A imprensa, do lado de fora por ordem de Michael, reagiu como esperado. Deboche, cinismo e distorções do texto lido por Michael. Assim, o que Michael ganhou com isso?
Antes de uma avaliação, o melhor é destacar que não apenas o lugar pode ter parecido inusitado para a presença de Michael – afinal, trata-se de um homem sem muita educação formal falando a uma platéia acadêmica, cheia dos preconceitos e do cinismo habituais à academia – mas também o tema poderia trazer um certo desconforto. Tratava-se de Michael Jackson falando sobre o bem-estar infantil. Com um cenário desses montado, Michael parecia atirado aos leões. Então, retomando a pergunta, por que correr o risco e se expor assim à maledicência? Antes da resposta, ainda é preciso passarmos a falar de como se deu a palestra.
Michael já há anos havia falado dos problemas com a própria infância, explicando a anormalidade (termo que aqui significa apenas diferença dos padrões habituais e não imoralidade ou indecência) de seu comportamento adulto. Seu olhar sempre vagamente melancólico destaca-se sobre a máscara, incapaz de esconder uma dor que vem do passado. Mesmo que queiramos evitar especulações psicológicas, parece inevitável concluir que seu desconforto confesso em sociedade se origina muito mais da impossibilidade de um dia ter tido uma relação saudável com o próprio pai do que dos anos de fama.
Talvez aquele garotinho tenha aprendido a temer o mundo por ter que temer quem deveria amá-lo. Conhecendo essa história, uma história triste dentre tantas outras iguais, era óbvio imaginar que Michael fosse se dirigir aos pais e mães e pedir para que não transformem seus filhos em criaturas infelizes, pois esses infelizes poderiam cometer desajustes muito mais graves do que usar máscara cirúrgica em público ou brincar com balões d’água. Estaria pronto assim um bom exemplo de psicologia barata: se você tem um problema emocional ou moral, culpe seus pais, eles o transformaram no que você é.
Não, não foi esse o espírito da fala de Michael. Ouvindo-o entendemos por que ele pôde sobreviver à violência do pai e se tornar um homem, excêntrico sim, mas, até que provem o contrário, dos mais decentes. Michael deu uma aula de responsabilidade. Ao invés de propor que os filhos se livrassem da culpa e a repassassem aos pais, pediu que os filhos perdoassem aos pais e não repetissem seus erros.
Deu uma lição, comovente e não piegas, de compreensão e maturidade. Na verdade, ouvindo a palestra de Michael, percebemos que ele não estava no lugar errado falando sobre um assunto impróprio, pois ele falou como um homem que aprendeu a dominar o passado e se responsabilizar pelo presente, e tem isso a ensinar.
O que Michael ganhou com a palestra foi a chance de não permitir que um assunto tão caro a ele se tornasse um tabu em sua presença, caso em que perderíamos nós e ele. Se o mundo preferiu enxugar as lágrimas, disfarçar e, fingindo desprezo pelo que ele disse, transformar tudo em piada a ser esquecida na semana seguinte, então esse mundo é que parece
O que Michael ganhou com a palestra foi a chance de não permitir que um assunto tão caro a ele se tornasse um tabu em sua presença, caso em que perderíamos nós e ele. Se o mundo preferiu enxugar as lágrimas, disfarçar e, fingindo desprezo pelo que ele disse, transformar tudo em piada a ser esquecida na semana seguinte, então esse mundo é que parece
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