finalmente livre!
Do ser mitológico diz-se que nasceu em meados do século XX. E que, tendo nascido homem, foi aos poucos transformando-se numa mulher. No fim, tornou-se um ser de aspecto hermafrodita, com sexualidade indefinível. Sabe-se que o ser mitológico nasceu negro e morreu branco. Foi, na infância, um adulto: compromissos profissionais, responsabilidades, obrigações e pressão foram experimentados desde cedo em doses altas. Na maturidade, tornou-se uma criança: gostava de brincar, passear em carrosséis e montanhas russas, ter crianças por perto e jamais compreendeu exatamente do que se tratava o tal "mundo dos adultos".
Do ser mitológico diz-se que foi acusado de abusar sexualmente de crianças, o que nunca se comprovou. O que se sabe com certeza é que foi brutalmente espancado pelo pai, na infância, e submetido por este a tortura e pressão psicológicas. É comprovado que durante sua existência o ser mitológico ajudou crianças pobres e doentes, não só com dinheiro, mas com carinho e compreensão verdadeiros. Com essas crianças comunicava-se da mesma forma com que são Francisco de Assis conversava com passarinhos.
Do ser mitológico compreende-se que revolucionou a música pop mundial ao elevar a música negra (é importante lembrar: não importa quantas transformações e mutações tenha o ser sofrido em sua existência, ele nunca deixou de ser um grande, talvez o maior, artista da música negra norte-americana) a um status nunca antes alcançado: qualidade musical irresistível, ousadia de produção, competência e muito – muuuiiito – suingue.
Quincy Jones, músico, maestro e arranjador de excepcional talento, ajudou o ser mitológico nessa jornada. Do ser mitológico aceita-se que tinha habilidades múltiplas – dançava, cantava e compunha como poucos – e que com elas conseguiu apaixonar pessoas do mundo inteiro, independente de suas raças, classes sociais, nacionalidades, religiões, crenças etc.
Dele compreende-se que foi coroado rei pelos humanos e amado por estes como um anjo. A morte chegou-lhe como alívio, inadaptado que era ao mundo estranho que o amou e não o compreendeu. Na morte sabe-se que a imprensa, que o criticara impiedosamente nos últimos anos de vida – e tanta atenção dera a suas bizarrices, idiossincrasias e excentridades – acabou por reconhecer que o que prevalecerá de seus feitos será tão somente a brilhante música que concebeu, cantou e dançou.
Diz-se por fim que, ao morrer, o ser mitológico livrou-se do corpo que era ao mesmo tempo depósito de dons e talentos e também de dores e sofrimentos. E que se lembrou, no último instante de vida, da frase do discurso de um grande e admirável conterrâneo: free at last!
CD…… Off The Wall, de 1979, o primeiro disco da fase adulta do ser mitológico, e primeira parceria com o produtor Quincy Jones. Está tudo ali: a riqueza da música negra, desenvolvida em décadas de trabalho por gravadoras como a Motown – e a mistura com elementos de rock e pop. É um disco que aprendi a amar graças a minha mulher, Malu – a quem dedico esta crônica -, uma das maiores devotas de Michael Jackson de que se tem notícia. Ela já passou essa paixão aos nossos filhos, também admiradores do grande músico negro norte-americano. |
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