Desde que comecei a escrever sobre a relação entre Wolfgang Mozart e Michael Jackson, no verão de 2009, tenho me alegrado muito por encontrar vários leitores inspirados pelas minhas comparações biográficas e artísticas; mas não pude ficar mais contente, pois não consegui encontrar qualquer outra pessoa tão dedicada e apaixonada pelo desenvolvimento desse assunto em particular.
Apesar da insurgência de popularidade após sua morte, parecia que Michael Jackson ainda não estava no radar do mundo musicológico, ou acadêmico em geral. Senti-me sozinha com o meu interesse, mas não sem inspiração. Afinal, era mais do que gratificante anexar os artistas que há muito tempo governaram o meu universo, trazendo um novo exame para estabelecer a relação complementar entre os dois. Eu estava numa missão de abrir os olhos e os ouvidos para o talento artístico de um ícone e o seu gênero perdido, a música clássica.
Joe Vogel é um talentoso autor e musicólogo que conheci recentemente através do anúncio de seu próximo livro, Man in the Music: The Creative Life and Work of Michael Jackson (nas livrarias a partir de 1º de novembro de 2011). Ele é atualmente um dos raríssimos indivíduos que prestam reconhecimento à obra de Michael Jackson por meio de estudos sérios e resultados exclusivos. Ele equilibra a parte acadêmica escrevendo sobre música e cultura popular para o The Hoffington Post e o PopMatters, tornando-se um craque, na minha opinião. E quando li que Mozart estava entre seus compositores favoritos, soube que tinha que me aproximar dele para comentar esse assunto. E, para minha emoção, ele aceitou.
Obrigado, Joe.
Com gratidão,
Sherry.
O Homem na Música
Sherry: É realmente um prazer conhecê-lo e ter a oportunidade de compartilhar essa conversa com outras pessoas, na esperança de avançar o estudo, o entendimento e o reconhecimento desse assunto tão significante. Parabéns pelo lançamento do seu próximo livro! Esse trabalho aborda as preferências clássicas de Michael Jackson ou todas as influências?
Joe: Muito obrigado, Sherry. O prazer é meu. Eu discuto alguns de seus interesses clássicos no livro. Michael começou a ouvir compositores clássicos ainda muito jovem e seu amor por eles permaneceu ao longo de sua vida. Ele tendia a trabalhar com melodias fortes e uma qualidade emocional vibrante ou dramática. Ele sempre gostou de peças que anexavam ou evocavam algum tipo de representação visual. A maioria de seus compositores modernos preferidos (Copland, Bernstein, Barry, John Williams) fizeram trilhas sonoras de filmes, balés ou musicais. Os favoritos de todos os tempos de Michael eram, provavelmente, Debussy, Prokofiev, Tchaikovsky e Mozart.
Uma Virtuosidade Correspondente
Sherry: Você mencionou que gostava de ler alguns dos meus artigos. Você aprendeu algo novo com Michael e Mozart: Uma Virtuosidade Correspondente? * [artigo de Sherry Davis, publicado em julho de 2009. N.T.]
Joe: Você pegou alguns paralelos maravilhosos. Eu recentemente terminei um texto sobre o álbum Dangerous, que era uma verdadeira virada artística pro Michael, então, aproveitei as partes em que você falou sobre o desejo deles [Michael e Mozart] de uma liberdade criativa total. Não é algo fácil seguir a sua visão criativa quando há tantas pressões (comercial, familiar, empresarial, convencional, de moda, etc) que decidem pra qual lado você deve ir. Isso sem mencionar a resposta negativa dos críticos. Sua citação de um autor de Leipzig, Alemanha, sobre Mozart – “Escreva num estilo mais popular, ou eu sequer poderei imprimir ou pagar qualquer coisa que venha de você!” – era um sentimento muitas vezes direcionado ao Michael.
Música, Drama e Ideias
Sherry: Num texto reflexivo que publiquei há dois anos, O Ícone M: Minha História, eu descrevi Michael Jackson: “Ele foi uma parte significativa da minha vida artística desde cedo, induzindo minha bússola infantil ao casamento justo de música, drama e ideias. Ele redefiniu o gênero da música popular com a libertação do sentimento autobiográfico, e da arte inteligente e sofisticada, acrescentando novas dimensões de profundidade e criatividade.”
Música, drama e ideias. O mesmo se aplica à Wolfgang Mozart, a quem eu adoro pelas mesmas razões. Com a concepção de obras que desafiavam o status quo, como “Figaro”, de Mozart, e “Black or White”, de Michael, eles foram protagonistas musicais, assumindo um grande peso da ideologia social através da arte da performance de seu tempo, oferecendo fantasia e escapismo no mesmo toque.
O extensivo estudo que você realizou sobre “Earth Song” do Michael revela uma rica tapeçaria de gêneros musicais e de referências histórias e sociais. Concordo plenamente que nenhum outro artista jamais poderia interpretar a situação do nosso planeta como Michael fez com esse trabalho. Seria uma coincidência o fato de a criação de “Earth Song” ter começado em Viena, onde Mozart compôs o hino imortal, “Fígaro”? Quando eu assisti ao trailer do seu trabalho sobre “Earth Song” e ouvi “Lacrimosa”, do Réquiem de Mozart, soube na hora que você tinha entendido.
Então, esse é o denominador comum definitivo? É por isso que eles são tão profundamente amados, porque falam diretamente com o público, em defesa do público, e produzem um escape pro seu público?
Joe: Você capturou isso de uma forma expressiva. As pessoas procuram muitas coisas na arte e na música, mas, pra mim, o que faz um artista como Michael Jackson (e Mozart) tão ressonante é a alma. Há um componente no trabalho deles que é imensamente prazeroso e importante; mas, seja lá qual for a emoção – o desespero absoluto ou transcendência, ou alguma combinação estranha -, eles permitem que você se sinta vivo e em sintonia com o que Emerson chama de “Super-Alma”. Você ouve a música e, de repente, tem esse sentimento. Sim, sim! É assim mesmo! Muitas vezes, capta algo tão intenso e profundo que não pode ser expresso em palavras. Mas a coisa realmente bonita acontece quando você pode identificar algumas dessas conexões e vê, como você colocou muito bem, a “rica tapeçaria”.
Natureza e Educação
Sherry: Mozart aprendeu a ler e articular notação musical num estágio muito cedo de sua infância, mas antes de ganhar esse conhecimento, ficou claro que ele era naturalmente dotado. Michael exibia precocidade na mesma tenra idade, mas ao contrário de Mozart, ele nunca aprendeu a ler música. Mais tarde, ele declarou em entrevistas que sentia que isso não era necessário. Não estou sugerindo que sua música tinha falhas por ele não ter recebido essa fonte educativa específica, mas me pergunto como sua música e sua arte teriam sido diferentes se ele tivesse alcançado essa influência, particularmente no que diz respeito à incorporação do sentimento clássico.
Ele poderia ter sido mais influenciado por mestres como Mozart se tivesse conhecido a arte da composição? Em vez de usar um trecho da 9ª Sinfonia de Beethoven para abrir “Will You Be There” e entrelaçar cordas sintetizadas com contornos melódicos, ele mesmo poderia ter composto um material original? E falando em citar os mestres, gostaria de saber qual das músicas de Michael você prefaciaria com uma obra de Mozart…
Joe: Essa é uma pergunta interessante. Por um lado, você pode estar certo de que saber ler e escrever música poderia ter aberto algumas possibilidades e feito o Michael mais independente. Por outro lado, Michael realmente gostava de trabalhar de uma forma mais colaborativa. Ele gostava de testar diferentes parceiros criativos pra ver o tipo de química que existia ou o tipo de síntese que não era esperado que ocorresse. Muitos de seus colaboradores mais próximos (Quincy Jones, Brad Buxer, etc.) eram treinados classicamente. E ele era muito bom em expressar o que estava ouvindo em sua cabeça.
Quanto a uma canção que poderia entrar com um trabalho de Mozart, talvez algo como “Fantasia in D Minor” antes de “Scared of the Moon”.
Sentimento Clássico
Sherry: Quando descobri que Michael estava criando um álbum de música clássica na época de sua morte com o premiado compositor David Michael Frank, outra dimensão me foi revelada. Parecia que eu tinha recebido quase uma permissão para abraçar verdadeiramente a sua relação com o gênero e com Mozart desse ponto. As notícias sobre a existência desse álbum te surpreenderam?
O maestro Frank disse que a música de Michael era semelhante às sequências deslumbrantes de John Barry. Ele estava orquestrando essas obras pro Michael, então, novamente surge a questão: como a criação (educação) modificou a arte dele? Dada a referência das trilhas sonoras, parece provável que a visão do Michael era mais romântica no estilo do que clássica, especialmente com Debussy e Tchaikovsky sendo seus dois compositores favoritos (Tchaikovsky referiu Mozart como o “Cristo Musical”). O que você anteciparia como sendo a natureza desse álbum? Você acha que essas músicas permanecerão guardadas? Ou será que vão ser finalizadas e lançadas?
Joe: Bem, eu sabia que o Michael já havia trabalhado em peças de música clássica e de jazz ao longo dos anos, por isso, não foi uma surpresa total. Mas foi fascinante ouvir que, mesmo no meio de seu tão esperado retorno e de toda a pressão para um novo álbum pop e uma turnê, ele ainda queria fazer música por causa da música.
De todo o material inédito do Michael, este é o que eu mais gostaria de ver sendo lançado. Seria uma grande vitrine da habilidade e alcance artísticos de Michael Jackson. Pelo que eu sei, isso não está na lista de prioridades agora, mas eu realmente espero que David ganhe o sinal verde do Espólio em algum momento e conclua esse trabalho pro Michael.
Obras Póstumas e Legado Duradouro
Sherry: Mozart é o único músico da História a ter sucesso ininterrupto desde sua morte. Ele morreu em 5 de dezembro de 1791 e suas obras são altamente reproduzidas pelo mundo inteiro em 2011. Ele deixou um generoso catálogo para suprir o insaciável apetite da humanidade. Eu certamente não estou sozinha na opinião de que Michael Jackson também deixou música suficiente para as gerações futuras. Então, por que foi necessário lançar o CD “Michael” cheio de obras não-autenticadas apenas um ano após sua morte?
Mozart morreu antes de completar a famosa missa fúnebre de Réquiem e este trabalho inacabado era um pântano envolto em mistério. Foi concluído por muitos compositores medíocres que seguiam os esboços de Mozart, mas foi passado como seu trabalho. Infelizmente, a história, assim como a própria missa fúnebre, se tornou uma lenda, que transpareceu na ideia de legado. Um musicólogo do século XIX diria com muita confiança que o Réquiem foi um legado de Mozart, mas nada poderia estar mais longe da verdade. E da mesma forma com Michael, ele iria querer que o víssemos nas filmagens da turnê? “This Is It”, “Michael” e todas as obras póstumas são continuações ou extensões de seu legado, mas, infelizmente, não são o seu legado.
Eles eram perfeccionistas, não nos esqueçamos, que elaboravam sua arte tão meticulosa e amorosamente. Mozart escondia seus manuscritos debaixo da cama. Ele era paranoico e se esforçou muito para assegurar que sua música era mantida longe de olhos curiosos até que estivesse pronto para trazê-la ao mundo. Michael era assim também. Quando a música inacabada “Hold My Hand” foi divulgada em 2008, Michael ficou devastado. No entanto, ela foi incluída no álbum póstumo “Michael”, em 2010. Me lembro da crítica de Boston Herald, quando o CD foi lançado: “’Michael’ está cheio de erros de sequenciamento, tomadas brutas e vocais estranhos. Vocais fracos que Jackson NUNCA teria deixado vazar…”. E do Entertainment Weekly: “Pode ser difícil escutar e não saber o que ele teria feito diferente – ou se ele iria querer que nós escutássemos mesmo”.
Em ambos os caso, o consumismo, o artista como produto, foi colocado antes da honra e da integridade dos próprios artistas, apesar de os dois serem grandes ícones do mundo musical. Parece que nada está fora dos limites. Como você acha que o ciclo póstumo vai continuar?
Joe: Não há dúvida de que os artistas são muitas vezes tratados como produtos, e a exploração geralmente é desenfreada após a morte de um grande artista. Joe Jackson estava tratando seu filho como um produto apenas 2 dias após sua morte. Há momentos em que a exploração é verdadeiramente repugnante.
Dito isso, eu pessoalmente não tenho qualquer problema com a liberação de material inacabado. Uma vez que um grande artista morre, há, naturalmente, uma enorme quantidade de interesse no que ele deixou pra trás. Não acredito que prejudica o legado de um artista a liberação de algo como “This Is It”, onde você tem uma visão muito crua, autêntica de como ele funcionava. Agora, obviamente sob as circunstâncias ideais, Michael teria conseguido fazer todo o show. Mas dadas as circunstâncias, achei que o filme foi catártico para a maioria dos fãs e esclarecedor para muitos não-fãs que não percebem o quão envolvido Michael era em todos os aspectos de seu trabalho, o quão perfeccionista ele era, e o quão espetacular esses shows seriam se tivessem acontecido.
O álbum, “Michael”, é um pouco diferente, porque há pessoas tentando concluir a visão criativa do Michael, e, em alguns casos, tomando decisões ruins. E depois, óbvio, há as faixas dos Cascio, que foram acompanhadas por todos os tipos de incertezas e controvérsias. Mas, ainda assim, existem algumas pistas muito boas sobre o CD, e não estou certo de que, com uma figura histórica como Michael (ou Mozart), as pessoas queiram que a música acumule poeira. As pessoas são inteligentes o suficiente, na maioria das vezes, para perceberem que há uma grande diferença entre um álbum póstumo e um álbum no qual o artista começa e vai até o final. Então, agora tudo só pode vir de fragmentos, pedaços de um quebra-cabeça não terminado. Mas, pessoalmente, gosto que o público veja e ouça várias dessas peças. Há ainda um material fenomenal de Michael deixado pra trás que precisa ser liberado. Acho que o segredo é a transparência. Se uma demo é “concluída” ou embelezada por um colaborador, liberem a demo antes para que o ouvinte possa comparar as duas versões.
Postado por Sherry Davis, 23 de agosto de 2011.
Fonte: http://falandodemichaeljackson.wordpress.com/2012/06/11/o-homem-na-musica/
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